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segunda-feira, 17 de abril de 2023

1985, um conto juvenil

 


Seguem abaixo mensagens de WhatsApp:


Não se ache, cara, mas te acho incrível!

Nem parece que tem essa idade.

Sei que não esqueceu

Amanhã é meu niver, pós-maioridade, rs

Liberdade?

(02:00 da madrugada, novembro, 2012)

 

Talvez meu pai esteja certo

Por que as coisas são assim comigo?

Sou uma tola mesmo!

(02:04 da madrugada)

 

Não tive coragem para te contar

Estamos a caminho de um outro estado

Como dói ter que teclar isso!

Melhor assim, adeus, Du!

Última mensagem.

 (02: 12 da madrugada, WhatsApp)

 

            Ao acordar Eduardo leu as mensagens no celular. Baixou a cabeça uns instantes, olhar perdido, fitava as paredes do quarto. Não acreditando, releu tudo novamente. Fechou os olhos talvez buscando alguma orientação. No impulso, ligou, porém, o telefone apenas chamava. Insistiu até cair na caixa postal. Descobriu que todas as redes sociais da garota tinham sido removidas. Uma profunda melancolia ganhou sua alma.  No banho não se conteve, chorou muito!

 

Every breath you take (A cada suspiro que você der)

Every move you make(A cada movimento que você fizer)

Every  bond you  break( A cada elo que você quebrar)

Every step you take( A cada passo que você der)

I'II be waching you (Eu estarei de observando) 

(The Police/ Every Breath You Take)

 

    Junho de 1985, o fim de tarde estava agradável. Uma brisa suave amenizava mais um dia que fora quente em Goiânia. Flores amarelas caiam das sibipirunas produzindo a ilusão de um grande tapete amarelo cobrindo as calçadas e parte de uma extensa rua do setor Cidade Jardim, bairro periférico da capital dos goianos.

     Ainda que fosse dezenove horas, as ruas do setor não perdiam o seu movimento. Crianças brincavam, outras, andando de bicicleta. Adolescentes paquerando ou apenas "jogando conversa fora". Sentados ao meio-fio de uma das casas, três adolescentes conversavam ouvindo música num rádio cassete Sanyo.

_"Galerinha", terminei de gravar a minha seleção de sucessos internacionais. Tá aqui, depois a gente ouve. _. Fala um garoto de cabelos claros e altura média. Seu nome, Eduardo, para os colegas, Dudu. Sua idade, dezessete.

_. Deixa eu vê aí, cara. _. Ágil, um garoto alto de pele negra toma a BASF da mão de Dudu. Era Zeca , também com dezessete.

_Deixa de ser "pentelho", Zeca! Devolve a minha fita, vai!

_. Relaxa, “brother”, relaxa.! _. Rebate Zeca. _ não vou arrebentar essa porra. Só quero ver o que gravou. As faixas estavam escritas a caneta no cassete. 

_. Tudo bem, Zeca. Já tomou da minha mão mesmo. _ Ironiza Dudu.

Hum!  Muito "melosa' pro meu gosto, Dudu. _ The Cars(Drive), Berlim, The Police... Ah! Aqui ficou legal:  Cyndi Lauper, Information Society, Madonna (Holiday)!...É, tirando as “charopinhas”, ficou massa. _ Sentencia Zeca.

O terceiro dos garotos chamado Saulo ou Saulinho, era um ano mais jovem que os dois. Cabelos bem lisos em tom escuro caídos sobre a face. De carinha fofa parecendo um indiozinho. Só observava a resenha dos dois colegas. Vendo que haviam quietado um pouco falou:

_Turma, "tô maus"! Não vai rolar ouvir música como vocês hoje até mais tarde.

_O que tá pegando, Saulinho? Pergunta Dudu.

_ É o meu pai, ralei pra caramba na oficina a tarde. E pensar que amanhã ainda é sexta e temos aula cedo. Vou nessa turma, hoje não dá.

_. Fica mais, cara! Reforça o pedido Zeca. As meninas vão descer daqui a pouco.

_Não dá mesmo, Zeca, é o meu estômago, “tá colado". Preciso rangar.

            Porém, antes que Saulo se fosse, algo ganhou a atenção dos três adolescentes. Uma desconhecida garota loira vinha pela rua pedalando uma Caloi Ceci branca com cestinha na frente. Dudu assim a descreveu:

_ Ela tinha os cabelos claros, lisos e logos. Sempre os usava presos as costas com um laço de pano, geralmente preto. Sua franjinha era um charme, caída até a altura dos olhos. Eu amava suas sobrancelhas tão clarinhas e de contornos perfeitos.  Seus olhos eram tão vivos em âmbar. Senti-me fisgado desde a primeira vez que a vi.  

_. Me lembro que ela vestia uma camiseta de estampa. Acho que da Minnie (da Disney). Foi inevitável não olhar para as pernas dela, tão bem torneadas em uma bermuda jeans que ia até os joelhos. Naquela noite ela calçava uma Melissa azul; se não me engano, com meias brancas. Os garotos do bairro passaram a chama-la de “gauchinha”. Ah, me esquecendo, ela tinha dezesseis.

_Nossa! Quem é esse brotinho que tá passando? _Pergunta Saulo?

_. Nunca vi ela por esses pedaços. Mas poderia jurar que conheço ela. _Comenta Dudu.

_ (Vi ela)? _ Zequinha dispara a rir _ (Vi ela), Dudu, se você não sabe  é caminho curto.

_. Até parece que você tira boas notas em português, né Zeca? –Grande merda! _ Rebate Dudu um tanto grilado.

_. Ei! Ei! Fiquem quietos. Ela tá voltando. _Alerta Saulo com voz baixa. 

            A loirinha passa e dá uma olhada para Dudu. Ainda que tímido, não resiste e olha de volta para ela. Notando o flerte, seus colegas brincam com ele dizendo que tinha ganhado a garota.

A curiosidade tomou conta dos três, afinal, quem era aquela garota? Saulo ficou por mais quinze minutos, depois se foi. Zeca e Dudu continuaram no bate papo até mais tarde ouvindo a fita gravada por Dudu. Falavam de futuro, suas esperanças e inseguranças, obvio, também de garotas. A propósito, nenhuma amiga deles passou por lá naquela noite.

Ao chegar em casa e se preparar para dormir, Dudu não parou de pensar na gauchinha. Por que ela havia olhado para ele daquele jeito tão carinhoso? Afinal, jamais tinha visto ela em sua vida, mas, ao mesmo tempo, parecia tão familiar.

De manhã no colégio Dudu estava com tanto sono que baixou a cabeça na carteira e apagou. O professor de História falava da Revolução Francesa. Vendo que ele não iria acordar, o chamou pelo nome. Dudu despertou, alguns alunos riram da situação e a aula continuou.

A aula sofre uma nova interrupção, alguém batia à porta, uma das coordenadoras entrava com uma aluna novata.

_Bom dia, professor Portela, bom dia, segundo A. Apresento a vocês a novata, Mônica. Professor, ela decidiu começar conosco hoje, visto que já perdeu uma semana de matérias. De forma rápida, a garota se apresentou a turma dizendo que vinha do Rio Grande do Sul. Por questões de trabalho, seu pai decidira se mudar para Goiás.

Dudu que voltara a baixar a cabeça de tanto sono, não deu muita atenção, vindo a se apagar novamente. O colega Saulo toca em suas contas e diz quase cochichando:

:_Ei, cara, é ela!

_Ela quem Saulo, tô com sono! Não enche! _ Responde Dudu.

_A gauchinha, trouxão.! Aquela da bicicleta de ontem à noite!

Dudu toma um choque, levanta a cabeça e olha para frente não acreditando. Sim, era ela, a gauchinha.

_. Segundo A, _. Adverte a coordenadora. _procurem ser receptivos com a aluna Mônica. Não esqueçam, estou de olho em vocês. E nada de gracinhas com ela, (ok)? _. Em coro a sala diz (ok). A coordenadora se vai.

            Uma “borboleta parecia voar” dentro do  estômago de Dudu. Pois, a garota vinha pelo corredor de carteiras onde ele estava sentado. Do seu lado esquerdo estava uma carteira vaga. Nela a garota se acomodou.

A certeza de conhece-la veio novamente em sua mente. Tímido, Dudu balbuciou baixinho algumas palavras que a gauchinha não entendeu. Para ouvi-lo melhor, ela se colocou bem próxima dele. E isso mexeu com Dudu.

_Oi, meu nome Eduardo, mas pode me chamar de Dudu. _. Falou em tom baixo.

_. Eu sei o seu nome, Eduardo.  Porém, prefiro te chamar de Du. 

            Ao ouvir seu nome abreviado daquele jeito pela boca da garota, uma miscelânea de sensações ganhou a sua alma. Sua mente girava sem ele saber explicar o porquê? Seria algum tipo de saudosismo, mas, que saudosismo? Visto que não a conhecia. Desinquieto, falou num tom voz mais alto:

_Pera aí!  Você me conhece? Nem minha mãe me chama de Du. Mas pareceu tão familiar quando você falou.

_. Eu só estou brincado. É que você tem carinha de Du. _. Argumenta a garota sorrindo.

_O que fazia ontem quando passou de bicicleta? Pergunta Dudu.

_. Nada, só conhecendo setor. Prefiro pedalar a noite, Goiânia é muito quente.

_. Sim, é muito. Dudu riu. _. Mas vai se acostumar.

_. É! Espero que sim. Ela ri.

            Temendo que o professor pudesse adverti-los, uma vez que já estava olhando para os dois, pararam a conversa. No recreio teriam mais tempo para isso.

Finalmente o sinal bateu, a sala foi se esvaziando. Mônica saiu primeiro, no corredor Dudu a encontrou. Antes que ela fosse ao banheiro, combinou que pegaria o lanche na cantina para os dois. Passado um tempo, retorna, mas, onde ela estaria? Procurou em lugares que imaginou poder encontra-la e nada. O sinal tocou, Dudu entrou, contudo, Mônica não estava na sala.

Meio-dia, acabava a última aula. Dudu saiu conversando com Saulo, Zeca e outros colegas combinando se encontrarem a noite para marcar algo para o sábado. Quando estava a sós com Saulo falou sobre Mônica que teria ido embora mais cedo.

_Mônica? Mas que Mônica? Questiona Saulo.

_Pera ai, cara. Você disse Mônica? _Saulo parecia lembra de algo.

_Isso, a Mônica!   Responde Dudu.

_. Cara, te ouvi sonhando na carteira. Diz Saulo_. Parecia estar conversando com uma tal de Mônica. Foi quando eu te acordei.

_ Saulo é por isso que você é tão calmo assim. Eu acho que tá é fumando maconha. Só pode! Eu disse a Môôôônica, cara! A dá bicicleta de ontem.

_. Claro, eu sei. Dudu, preciso ir. Você sabe, meu pai, a oficina...

_Tá bom, Saulo, vai vai! A noite a gente se vê então.

Dudu seguiu por uma das ruas do setor de cabeça baixa. Claro que não parava de pensar na garota, o que teria acontecido?  Para relaxar um pouco tirou seu “Walkman” da mochila, pôs os fones e foi ouvindo.

Já caminhava por quinze minutos, sentiu alguém tocando em seu ombro esquerdo de forma leve. Se virou, seus olhos brilharam. Uma alegria inesperada brotou em seu rosto juvenil.

_Oi, não estava me ouvindo? Tive que correr um pouco para te alcançar. Você anda bem rápido, hem! _ Era Mônica.

_Me desculpa, são os fones. Eu gosto de ouvir bem alto. _ Justifica Dudu.

_. O que aconteceu, Mônica? Cheguei com os lanches e não te achei mais.

_Desculpa, Du, era meu pai; bom, não quero falar sobre isso agora. _. Justifica a garota.

_. Tudo bem. _. Disse ele. Você curte a Legião Urbana?

_Claro, acesso muito os vídeos dessa banda. Afinal, marcaram uma época do rock nacional.

_. Marcaram uma época, como assim?

_. Mônica ri com a cara de espanto de Dudu_ É só uma forma de dizer as coisas, Du. Na verdade, eles estão escrevendo uma página muito importante do rock nacional.

_Claro que estão, tenho certeza. Concorda Dudu. _ Como eu queria ir num show deles!

_. Um dia você vai, Du.  E irá me contar todos os detalhes; várias vezes, até eu ficar enjoada de ouvir. _ Mônica ri novamente

_. Mas, você não iria comigo? _. Pergunta ele. _. Posso juntar uma grana e te levar quando eles vierem em Goiânia.

_Claro! Será um grande prazer, Du. _. Responde ela.

            Era como se conhecessem (Há tempos), pois, o diálogo fluía.... Poderiam se falar (por horas e horas e hora...). Para surpresa de Dudu, Mônica revela estar morando no setor. Mais surpreso ainda ficou quando soube em qual casa a família dela havia se mudado na rua 11 de janeiro:

_Pera ai! Tá me dizendo que seus pais alugaram aquela casa com a frente que tem um muro de pedras? A de número 13 com uma grande seringueira na frente?

_. Essa mesmo_ Responde Mônica, Por que está surpreso?

_. Aquela casa tá fechada no mínimo dez anos. Todo mundo por aqui sabe que é assombrada.

_A garota sorriu com as suas reticências.... Logo diz: E você acredita nessas coisas, Du?

_Claro que eu acredito! E você, não?

_. Eu? Ela deixa em aberto...

_. Sabia que eu e a minha galera já fizemos altas apostas para ver quem tinha mais coragem de entrar lá a noite?

_E você ganhou alguma dessas apostas? Pergunta, Mônica.

_. Uai! Sou corajoso, né. _Ele ri. _. Na última vez que entrei lá ganhei uma Coca-Cola.

_. Uau! Parabéns, Du.  Mas, viu alguma coisa de estranho na casa?

_Bom, só vultos mesmos.  O mais certo que eram gatos.

_É melhor não fazerem isso agora, pois meu pai não é “flor que se cheira” .

_. Então seu velho é bravo mesmo? _Dudu ri.

_. Nem te falo. Digamos que ele é um tanto que “cuidadoso comigo”.

_Sinceramente Du, não queria que fosse tanto assim! Se lamenta a garota.  

_. Acho que entendo o que tá me dizendo.  A minha mãe não é assim comigo, É protetora, mas de uma forma diferente do seu pai. Linga não, Mônica, com o tempo o seu pai muda.

_. Espero que sim. Ela responde. Du, eu sei que ás vezes você imagina como seria a sua vida se tivesse um pai.

_Como você sabe que eu não tenho pai?

Mônica parecia pensar na resposta que daria...

_. Não é que eu saiba, Du. Digamos que é o seu jeitinho protetor e carinhoso.

_. Ah, então tudo bem. Mas obrigado pelo (jeitinho protetor e carinho). Eles riem _

_De nada, Du, mas é verdade.

      O papo estava tão bom que Dudu se esqueceu que estava trabalhado no período tarde na marcenaria do seu José. Além do mais, precisava passar em casa para almoçar. Antes que se despedissem ouviu algo dito pela garota que jamais esqueceria ao longo de sua vida:

_Du, você é muito esforçado, um dia será um ótimo professor universitário. Tem cara de professor de Letras.

_. Eu? Um professor universitário, e de Letras? _ Tá  curtindo comigo, né Mônica? Dudu riu duvidando do seu próprio destino.

_. Não estou, juro. Ela responde.

_. Mas..., pera aí! Como sabe que tenho esse sonho? Só contei pro Saulinho e o Zeca.

_. Quer dizer então você já conhecia eles, né? Por que não me contaram?

_Não, Du!  Está enganado.

Mônica envolta por seus mistérios, deixa a resposta nas entrelinhas.... Inesperadamente se aproxima de Dudu e o abraça dando-lhe um beijo no rosto. Ainda que surpreso, se sente bem, não dando moral para sua timidez. Abraçados ficaram por alguns segundos como se matassem uma saudade de séculos.  Embora envolvido pelo cheiro tão gostoso da garota que parecia familiar, Dudu disse que precisava ir. Sem graça, Mônica desata o seu nó de flores. _

_Claro. Desculpa, Du. Vai, você ainda tem que almoçar.

 O garoto se foi com seu coração em descompasso. Se tinha alguma dúvida sobre a sua atração pela misteriosa garota, “caíra por terra”, estava apaixonado. Levava agora o cheiro dela no seu uniforme.

Chegara o sábado, Dudu trabalhou até o meio dia, pegou o seu primeiro pagamento com seu José e foi para casa. Eram duas da tarde, pensava tanto na garota que decidiu dar uma passadinha na porta da casa dela. Contudo, lembrou do que ela dissera sobre pai.

E se tocasse a campainha dando de cara com o velhote?  Todavia, um cara como ele quando punha algo na cabeça, ninguém mais tirava. E assim, saiu.  Com sorte poderia vê-la no quintal ou na rua pedalando. No caminho encontrou alguns colegas que o convidaram para patinar no Mutirama à tarde. Dudu deixou em aberto.

O portão de grades da casa estava fechado, o mato alto ainda cobria a entrada como se ninguém tivesse mudado para lá recentemente. Eduardo achou aquilo um tanto estranho. Passou os olhos pelas janelas que davam de frente para rua, as vidraças continuava quebradas. Com exceção dos pássaros, tudo era silêncio. Será que Mônica havia mentido para ele? Mas não existia outra casa na 11 de janeiro com uma seringueira grande na porta.

Frustrado por não encontrar a garota foi para casa descansar um pouco. Ainda que fosse um jovem introvertido, o coleguismo da sua idade impedia que se isolasse. As quatro e meia da tarde chegou ao parque Mutirama, região central de Goiânia. A verdade é que Dudu não estava tão animado, mas era sábado, precisava curtir a vida.

_ E aí, Dudu, por que que não veio com a gente?  Era um dos seus colegas apelidado por todos de Niu. O complementa batendo as palmas das mãos. _ A  patota  já todo aí.

            Evitando dizer o verdadeiro motivo, Dudu inventou que precisou ajudar a sua mãe na limpeza da casa. Na verdade, até que ajudou um pouco. Alguns colegas que estavam na pista de patinação o cumprimentaram de longe acenando.

_”Tá piolho”, em, Chico”! Fala de forma mais gritada para um colega que patinava com um patim branco de cano longo.

_. Que nada, Dudu! Quem manda no pedaço ainda é o meu irmão.  Aponta para um garoto de cabelos claros e alongados até os ombros que se exibia na pista de forma rápida para algumas garotas sentadas na mureta. Vendo que falavam dele o garoto apelidado pelos colegas de Nê cumprimenta Dudu.

_E aí, Dudu, beleza? Não vai dar um rolê com a gente._. Olha o tanto de brotinho na pista e fora dela.

_. Daqui a pouco, Nê . Dudu ri. Mas eu não vou cair muito hoje. Tô bem melhor agora pra patinar

_. Quero ver isso então, cara. Não se isola da gente, viu. Nós somos amigos.

_. Eu sei disso; digo o mesmo, cara. Daqui a pouco eu entro. _Responde Dudu.

      O sistema de som do parque tocava (Running do  Information Society). A pista estava cheia. Garotos e garotas curtindo o rolê, a paqueras rolando solta. Dudu sentado em uma mureta, a poucos metros da pista, observava a felicidade estampada no rosto de jovens como ele. Nesses momentos sempre lhe batia uma sensação de estranhamento em relação aos outros. Era como se fosse um “patinho feio”, ou um “pássaro fora do bando”. Desde que se entendera por gente, se via a observar o comportamento humano a certa distância. E naqueles momentos que entendia o quanto era “deslocado do rebanho”.

 Provavelmente ficaria por mais tempo naquela introspecção até que um colega viesse e o puxasse para pista. Não foi bem isso o que aconteceu naquele sábado à tarde. Duas mãos macias e silenciosas vedaram os seus olhos:

 _Oiê! Advinha quem sou eu? _. Disse uma voz suave de garota.

_. Não acredito, é você? _. Sua voz saiu embargada pela emoção.

_. Eu, quem? Não disse o meu nome. _. Questionou a garota.

_A Mônica.

_Nossa! Acertou na primeira. É, estou ficando importante para alguém. Ela riu vendo que o rosto do garoto se corava.

        Dudu sentiu novamente a sensação de ter agora “duas borboletas voando” dentro do seu estômago. Seu coração palpitava tamanha a felicidade que sentia. Afinal, era sorte demais encontrar a garota justamente no parque. Mônica o convidou para dar uma volta pelo pequeno bosque do Mutirama. Antes, compraram pipocas.

   _. Que coincidência te achar por aqui, Mônica. Sabia que estava pensando em te convidar para vir no Mutirama com meus amigos patinar. Como amanhã é domingo, tamos pensando em ir no cine Capri a tarde.

_. Nem tudo na vida é uma coincidência, Du. _. Enigmática, ela responde.

_. Quanto ao cinema, não sei, Du? Meu pai é muito possessivo comigo. Quem sabe quando se acostumar com você as coisas mudem.

_Entendo, não quero trazer problemas, Mônica. Responde ele.

_. Mais cedo passei na porta da sua casa, estava tudo fechado. Pelo visto seu pai não arrumou nada ainda depois que se mudaram. _. Disse ele.

Um tanto constrangida Mônica responde: _. Ah! Então você passou por lá?

_Sim. Respondeu ele.

_. Não tivemos tempo ainda para cuidar da casa. E meu pai está resolvendo algumas coisas na cidade.

_. Não precisa justificar, Mônica. Mas tive a impressão que não tinha ninguém morando lá.

_Du, vamos deixar esse assunto de lado. Como você está?

_. Agora estou bem, te encontrei por aqui. Tem coisa melhor?

_. Obrigado, Du _. Ela sorriu também se corando. _. Digo o mesmo.

_. É uma pena que não terei muito tempo! _. Fala a garota suspirando.

            Antes que Dudu a questionasse sobre o que estava dizendo, ela pega em sua mão o conduzindo para um lugar de muita grama. Ali se sentaram. Du, por favor, não me questione sobre o que acabei de falar.

_E por que não, Mônica? Acabamos de nos conhecer e você me diz que não tem muito tempo.   ´É o seu pai?

_. Não é nada, Du. Nem sei por que falei assim. Não se preocupe.

_. Sim, mas tudo vai ficar bem _. Responde ela.  Vamos tomar um sorvete, eu pago agora.

            Os dois se curtiram como se aquele fosse o último dia de suas vidas. Soltos, brincavam passando sorvete um na cara do outro. Um tanto melados, encontraram uma torneira no jardim onde se lavaram. A poucos metros avistaram uma mesinha de pedra com dois banquinhos. Pintou um momento de silêncio entre eles. Não de seus olhos que estavam vivos e apaixonados. Nas caixinhas de som do parque começou a tocar (The Police/ Every Breath You Take).

_Du, quer me ensinar a dançar música lenta. . Por favor!  Implora Mônica.

_. Nossa! Você não sabe?

_. Não, meu pai nunca me deixou ir às festas.

_. Mas..., aqui, no meio das pessoas?

_. Qual o problema? _. Ela ri. _. Não devemos nada para ninguém.

_Vem, Du, por favor!  Me ensina! _. Ela o puxa pela mão.   

            A princípio, se olharam um tanto tímidos, depois, abraçados, começaram a dançar entregues à música. Mônica encostou a cabeça no ombro de Eduardo como se fosse dormir. Ele sentia o respirar calmo da garota. A suavidade da fragrância do perfume que ela usava era muito familiar. Conectados pela música dançavam sem nenhuma preocupação ou medo.

            Antes que a música terminasse, abriram os olhos mais uma vez se reconhecendo. Contudo, a magia da vida ainda não havia terminado seu ato, pelo contrário! Assim, num impulso atrativo irresistível, se olharam e se beijaram. Tentar traduzir o que as suas bocas falavam naquele silêncio colado de palavras seria impossível. O que dirá, aos olhares dos invejosos desse mundo que somente conspiram contra a felicidade alheia. Esta, somente descrita de forma rudimentar através de um belo poema.

            Em uma sensação melancólica de nostalgia, ou talvez pressentindo uma iminente despedida, Eduardo rompeu o extasse romântico falando:

. _. Por que me disse que tem pouco tempo, Mônica? Eu não quero te perder!  _. Os olhos do garoto estavam tristes, quase chorando.

_(“Eu eu dizia: ainda é cedo.  Cedo cedo cedo cedo” Legião Urbana/ Ainda é cedo...)

_ Du, esquece o meu pai.  Não quero falar sobre esse assunto. Porque isso só me aborrece. Por favor!

Cabeça baixa ele responde: _. Tudo bem, Mônica. -: Se abraçam, não se dando conta, estavam chorando.

            Aquele momento de afago é quebrado, pois Mônica parecia pressentir algo que estava próximo deles. O seu semblante mudou, já não prestava atenção no que Dudu falava.  Assustada, olhava fixo um grupo de transeuntes que viam na direção deles.  Eduardo tenta identificar entre os caminhantes quem a incomodava.

_Sujou, Du!  É o meu pai. _. A voz da garota saiu embargada.  

            Eduardo olhou firme nos olhos da garota tentando passar tranquilidade. Ao mesmo tempo, voltou a olhar para os transeuntes buscando identificar quem seria o pai dela.

            Tenso, perguntou para Mônica qual daqueles homens era o pai dela? Não ouviu a sua resposta, se virou para perguntar novamente. Como num truque de mágica, a garota sumira. No seu silêncio deduziu o quanto Mônica deveria ter medo do pai a ponto de fugir como uma ágil leoa. Eduardo se viu indeciso, visto que não sabia se a procurava no parque, ou deixava como estava para não complicar mais as coisas. Decidiu voltar para pista de patinação.

            Na companhia de Mônica se sentia tão feliz que não se dera conta das horas, pois começava a anoitecer. A pista de patins já estava vazia. Se dirigiu até o portão de saída onde encontrou Zeca e Saulo que tinham chegado mais tarde. Com eles, caminhou até a avenida Goiás onde pegariam o 187.

             No ônibus contou aos colegas a feliz coincidência de ter encontrado a garota no Mutirama. Confessou o quanto foi legal estar com ela.  Lamentou o lance do pai dela aparecer e Mônica fugir. Zeca e Saulo se olharam estranhamente dizendo:  _. Ah, tá! Sem Dudu entender, buscaram mudar de assunto:

_Dudu, vai rolar uma festinha na casa do Paulinho. Você vai, né? _Pergunta Saulo.

            Dudu parecia não ouvir, estava longe em seus pensamentos. Zeca vendo aquilo não aguentou, deu uma estilingada com o dedo indicador no ouvido de Dudu. _

_Ai! O que isso cara? Eu já te avisei que não gosto desse tipo de brincadeira.

_A festa! Aterrissa, Dudu! _. Responde Zeca com Saulo rindo ao lado.

_. Sim, eu sei, a festa. É claro que vou, né mané! Ensaiamos pra quê?._ Pergunta Dudu aos dois amigos.

_. Agora senti firmeza, Dudu!  Vamos deixar aqueles otários do terceiro B com a cara no chão. _Completa Zeca.

_. É isso aí, galera, Ru! Ru! Grita Saulo, rompendo com sua tradicional calma. Como num pactuo, os três tocam as palmas das mãos.

Eram vinte e uma hora, o som já rolava solto. Cada grupinho exibia os seus passinhos previamente ensaiados. O efeito luminoso dos canhões de luz do pisca-pisca aumentava a adrenalina na sala um tanto apertada da casa de Paulinho. Um grito eclodiu entre a moçada empolgada, era Queen (Another one bites the dust). Nem mesmo Dudu resistiu, e com seus dois parceiros, pisou a sala tentando abafar os olhares em volta.

O calor de 36º, somando a sala pequena e apertada, incomodava Dudu.  Vestindo uma camiseta branca por baixo de uma camisa verde estampada, tropical, ao estilo havaiano, a abria e fechava tentando se refrescar. Não dava mais para ficar ali, estava muito quente, precisava ir lá fora tomar um ar. Zeca e Saulo que estavam de olhos em duas garotas, ficaram.

A noite estava estrelada, a rua calma, exceção a alguns carros que passavam de forma esporádica. Dudu sentou junto ao meio fio e se pôs a pensar a vida. Já longe em seus pensamentos, sentiu duas mãos macias tapando os seus olhos.

_É quem estou pensando que é?... Não obteve uma resposta.

Ansioso, retirou as mãos que cobriam seus olhos para ver quem era. Sim, ele estava certo, era Mônica. A garota estava incrivelmente linda com seus cabelos claros presos às costas amarrados por um laço azul. Vestia um macacão em vinil, camiseta branca por baixo e um tênis All Star de cano curto vermelho. Os seus lábios reluziam na noite em um batom rubro tão vivo. Os olhos de Dudu denunciaram à garota o quanto ela o impressionara. Porém, estava chateado. Mônica logo percebeu:

_. Por que está aqui, Du? A festa está rolando.

_Tá sim, Mônica. _ Lacônico respondeu.

_Te conheço, Du. Você está triste. E sei que é comigo. Não é ?

_Sabe, Mônica, não sei o que vai acontecer com a gente.

_Tem o lance do seu pai. _Desabafa Dudu.

_Du, já disse para não pensar mais sobre isso. _ Adverte Mônica.

_Como não pensar? _. Você viu seu pai lá no Mutirama e deu o fora.

_Du, vim à festa porque sabia que você estaria aqui.

_Como sabia que eu tava aqui? Aliás, quem te contou?

_Não importa, Du. Eu vim só por você.

Dudu fica em silêncio olhado para Mônica sem saber o que dizer.  Na verdade, tinha muita coisa a perguntar para ela. Contudo, ela nunca dava as repostas que ele esperava. E isso o chateava muito! Para quebrar o clima que não estava legal, Mônica falou de forma delicada:

 _Du, eu acho que ainda não peguei o ritmo da dança. Bem que você poderia fazer a gentileza de terminar de me ensinar. Por favor, Du!

Mônica fica parada na frente de Dudu com os braços cruzados olhando fixamente nos olhos dele. Ele não resiste e sorri falando:

_. Tudo bem, Mônica, você não tem jeito mesmo! Eles riem.

            Ela estende sua mão direita puxando Dudu que se levanta. De mãos dadas entram na sala de dança agora mais vazia. Era o momento das “lentinhas” ganharem o espaço arrancando suspiros e paixões juvenis.

_Du, deixe a chateação de lado, por favor. Apenas dance comigo, nada mais. Começava a segunda música lenta da noite:(Chicago/ Hard To Say I’m Sorry). Calados, os dois se deixaram serem levados pela canção.

Terminada a música do Chicago, esperaram a próxima, e tiveram uma grata surpresa:

_. Não acredito! Fala Mônica para Dudu. É aquela música que dançamos no parque Mutirama! Começava (Every Breath You Take da banda inglesa The Police)

_. Não me culpe, Mônica, porque não tenho nada a ver com isso. Ele ri.

_. Pois então, Du, proclamo agora que esta canção será o nosso tema de amor.  É tão linda que não tenho palavras! Ele concorda com Mônica.

 Envolvidos pela canção do (The Police), num cantinho mais escuro da sala, dançando, se olharam e se beijaram. Tudo o que não queriam naquele momento é que o tempo passasse. E assim, levaram mais uma dança ao som de (The Cure/ Pictures of You) . Mônica vendo que Dudu agora estava mais calmo, decidiu conversar com ele baixinho ao pé do ouvido enquanto dançavam:

_Du, tudo o que importa é o que estamos vivendo nesse exato momento. É o que levaremos para sempre. Não pense tanto no que será daqui a pouco, a um mês ou mesmo a um ano. Jamais fique chateada comigo. Você é tudo o que me importa nessa vida.

_Por isso estou assim, Mônica. Meu Deus, eu não quero te perder! Mas parece que precinto que isso vai acontecer a qualquer momento.

_Você não vai me perder nunca, Du! Nem eu a você. Se fosse o contrário do que estou te afirmando, eu não retornaria para você.

_Mas como pode ter essa certeza, Mônica?

_Tudo o que posso te dizer, Du, é que o amor sobrevive ao tempo.

_Mônica, realmente eu não entendo o que você está me falando.

_. Não tem problema, Du. Como disse, estou aqui com você!

            Perdidamente apaixonados, se beijaram e ficaram abraçados. Duas lágrimas escorreram dos olhos de Mônica. Como um perfeito cavalheiro, Dudu as enxugou passando o dedo com delicadeza. Mônica vendo a pulseira branca que destacava o Cassio de Dudu, perguntou as horas? Eram vinte e três horas em ponto.

            Mônica disse para Dudu que já era muito tarde para ela. Teria que ir embora, uma vez que seu pai não toleraria um atraso. Porém, antes de sair precisava ir ao banheiro lavar o seu rosto. Dudu ficou encostado na parede traçando as estratégias. Acompanharia Mônica até a casa dela.  Antes, dariam um tchau aos dois colegas a apresentando como sua namorada.

            A música dançante voltava a ocupar a sala. Se passara quinze minutos desde que Mônica fora lavar o rosto.  Entendendo que já era muito tempo, Dudu foi até a porta do banheiro que estava aberta. Duas meninas saíam, aproveitou e perguntou se tinham visto uma garota loira vestindo um macacão azul. A resposta foi negativa.

Nesse espaço de tempo, alguém gritava seu nome com uma voz bem familiar. Era Zeca acompanhado de Saulo. O chamavam para mais uma exibição dos três na pista de dança. A fisionomia de Dudu já não estava para festa. Pois estava decepcionado com Mônica. Ela sabia que ele a acompanharia. Ainda assim, preferiu ir sozinha se arriscando pelas ruas escuras do setor. Por que agia daquela maneira?  Bem chateado foi até seus dois colegas e expos a situação.

Depois de ouvi-lo Zeca perguntou se era a garota do Mutirama e do colégio?  Dudu parecia sem muita paciência para dar a mesma resposta. Lacônico, disse que sim. Saulinho temendo que Zeca falasse alguma besteira para Dudu,  mudou o rumo da conversa:

_Dudu, fica mais com a gente. A festa ainda promete muito. Olha o tanto de garota que está sozinha!

Dudu nem respondeu, virou a costas e saiu rapidamente. Precisava alcançar a garota o quanto antes. Não deixaria que Mônica se arriscasse sozinha pelo caminho tão tarde da noite.  

Como conhecia bem o setor, pegou as ruas que ela poderia estar passando. A iluminação não ajudava nem um pouco, a horas avançavam, o seu Cássio marcava vinte e três horas e quarenta minutos.  Não era seguro correr pelas ruas a noite atraído o latido de cães, mas precisava fazer isso. Se algo acontecesse com Mônica jamais se perdoaria. O trajeto terminara, Dudu estava ofegante, deu um tempo, pois precisava respirar.

A sua face era de espanto, não acreditava no que estava vendo. O muro de pedra da frente da casa não existia mais. E meio aos entulhos, reconheceu o velho portão de grades na cor branca desbotado. Mirando aquela escuridão avistou uma retroescavadeira dentro do lote.

 Maior que os sentimentos que nutria por Mônica, o que mais importava para ele agora era desvendar os mistérios que a envolvia. Assim, adentrou o lote. Outro espanto, onde estava a velha casa? Tudo ao chão, reduzido a um monte de tijolos quebrados. Se dera conta que não tinha dado falta da velha gameleira na entrada.

 Uma mão pesada bateu em suas costas quase o derrubando. Dudu se assustou muito, tremendo se virou. Era um homem velho com uma barba longa, porém, de um físico avantajado. Quando lhe falou percebeu que a voz do velho era tão grave que poderia intimidar qualquer valentão:

_ O que faz aqui garoto a essa hora da noite? Isso aqui não é rua. _. Adverte o homem.

_. Me desculpa, senhor, tentei alcançar uma garota que mora nessa casa. Ela estava numa festa comigo. Não sei por que, mas não me esperou e voltou sozinha.

_Garoto, você bebeu ou fumou maconha? Será que não tá vendo que não tem nenhuma casa aqui? Só escombros!

_. Para o seu governo, sou limpo, tá. Responde Eduardo agora nervoso. _. Mas tinha uma casa aqui, sim. A minha namorada mudou pra cá com seus pais há pouco tempo.

_. Mudou, é? Ironiza o velho com uma gargalhada irônica. Escuta aqui, filho, ninguém morava nessa tapera há pelo menos uns dez anos.

_. Isso é verdade. Mas como sabe disso? Nem mora no setor! Questiona Dudu.

_Simples, filho, trabalho para pessoa que comprou esse lote. Estou fazendo a guarda. Não quero mais conversa, pirralho.  É melhor pegar descendo o quanto antes. Não tô de bom humor esta noite

            Dudu entendendo o recado, se mandou. Passou boa parte da noite tentando juntar um quebra-cabeça que sabia ser impossível de juntar as peças. Afinal, quem era Mônica? Onde morava? Quem era o seu pai?  Como sabia tanto de sua vida? Pressentido nunca mais vê-la chorou sobre o travesseiro.

Era segunda-feira, a turma do segundo A adentrava na sala. Cada um contava suas novidades sobre o fim de semana aos colegas. Dudu como sempre caladinho no seu quanto apenas observava o movimento da sala. Quem sabe Mônica entrasse por aquela porta e devolvesse a sua alegria perdida na festa do sábado passado.

O sinal tocou, o professor de História entrou e fechou a porta. Dudu ficou triste porque sabia agora que nunca mais veria Mônica. Com a cabeça abaixada na carteira chorou.

O mês era julho, o ano, 2012. O professor Eduardo aproveitara bem as suas férias na França. A uma semana havia retornado à Goiânia onde era catedrático do curso de Letras da Universidade Federal do Estado de Goiás.

Apaixonado pelo ensino universitário, confessava aos seus alunos o prazer de ter esse sonho juvenil realizado. Ali estava novamente em sala de aula dando início ao segundo semestre para uma turma de calouros do curso de Letras.

            A aula seguia já a vinte minutos, em pé, o professor Eduardo explicava o conteúdo. Uma aluna atrasada adentra a sala segurando uma mochila preta. Parecia um tanto distraída, uma vez que parou justamente na frente do professor. Olhando para o fundo da sala ela tentava encontrar alguma carteira vaga. Nem se deu conta que o professor havia parado a aula aguardando que ela saísse de sua frente. A situação se tornara tão cômica a ponto de alguns alunos começaram a rir.

            O professor Eduardo que sempre fora querido por sua turma, e um grande brincalhão, aproveitou o momento para relaxar um pouco aquela aula recheada por teorias gramaticais.

_. Princesa, será que posso continuar a minha aula? Os seus colegas não estão me vendo. Eu prometo não fazer isso mais. Os calouros riem.

            Dando conta da sua gafe, a garota se vira para o professor que sorri. Por algum capricho dos deuses, ou da natureza, os seus olhares se encontraram por alguns segundos. Talvez dois ou três alunos mais observadores notaram o clima que tinha pintado entre o professor e a jovem caloura de rostinho angelical

 _. Peço desculpa, professor! Estou distraída hoje.

_. É verdade!  Estamos percebendo isso. _Brinca Eduardo, a turma ri novamente.

_. Professor, eu vim da turma da tarde.  Meu pai teve dificuldades no trânsito para me trazer hoje.

_. Tudo bem, faz parte. Responde o professor. Mas, não vai falar o seu nome para nós antes de se senta, princesa?

_. Ah! Desculpa. Ela sorri sem graça. _O meu nome é Mônica.

            Depois que Eduardo saiu do banho, sentou na cama ainda pensativo. Se trocou rápido visto que tinha três aulas para ministrar naquela segunda-feira-. Esquentou o café e ligou a TV. Mais uma vez leu todas as mensagens deixadas por Mônica no seu “WhatsApp”.  Algo lhe dizia que nunca mais a veria nessa vida.

            Enquanto terminava de tomar o café, mudou de canal. Queria ver o noticiário tentando se distrair um pouco. Se espantou, era um acidente grave ocorrido no domingo com uma família que saíra de carro de Goiânia com destino ao Rio Grande do Sul. O carro havia capotado na Serra Gaúcha. Vieram a óbito um homem, sua esposa e uma filha de dezenove. Ao ouvir os nomes das vítimas, o mundo do professor Eduardo desabou.

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Autor: ChicosBandRabiscando

1985, um conto juvenil




 

 

 

           

 

 

 

    



 





  


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