José Flávio era
apenas um garoto pobre,
um típico "número"
resistente de uma favela.
O menino nascera
com a sina de ter sonhos nobres.
Dona Ana, senhora humilde
lavadeira,
era a sua mãe
solteira.
E a exemplo de toda
aquela gente sofrida,
a sorte nunca lhes
fora uma boa amiga.
A noite, às
escondidas, ele fugia,
desesperada a sua
mãe chorava.
Dona Ana não entendia
como funcionava a sua cria:
Deus meu, proteja o
meu filho;
diacho de menino
desinquieto!
Não consigo que
fique por perto.
José Flávio era
mesmo inteligente,
mas pra certas coisas
se faziam indiferente.
O garoto odiava ser
o filho de uma crente:
Mãezinha,
não me venha com
esse papo de religião.
Será que você não
me entende?
Eu não gosto dessas
coisas, não!
E os dias na favela
nunca mudavam,
mas pra José Flavio
tudo isso marcava.
Porém, o
"boyzinho" crescia:
Vou deixar essa
vida de pobreza.
Ainda farei muita
riqueza!
Ainda farei muita
riqueza!
Filho,
vê se fica mais em
casa.
A tua mãe precisa
trabalhar,
tenho muitas roupas
pra lavar.
Mãe,
como posso aqui ficar?
Eu não nasci pra
miséria,
Um dia deixo esse
morro.
Um dia deixo esse
morro.
Irei em busca de
socorro.
E aos dezesseis ele
cumpriu a sua promessa,
e coração de Dona
Ana apertou:
Mãe,
tô pegando as
trilhas desse asfalto.
Não chore assim, vou
"ralar" pra valer.
Apenas tente me
entender.
Filho querido,
você é o meu
"tesouro",
não esqueça da tua
mãe.
Sem você eu morro.
Sem você eu morro!
Não esquecerei, mamãe.
Quero que saiba,
a senhora é o meu
"ouro".
Entenda,
tenho sonhos na
cidade.
Não deixarei morrer
aqui a minha mocidade.
E com seus "sonhos nas
costas",
José Flávio foi
tentar um novo destino.
Dona Ana, sua mãe,
se rendia a tristeza:
Onde estiver, oh, meu filho!
Eu ali estarei.
Serei o teu "rastro
de saudade".
Na ausência de Deus
toda terra é uma "cilada".
Sem a presença do
amor a vida está acabada.
Na ausência de Deus
toda terra é uma "cilada".
Sem a presença do
amor a vida está acabada.
E os meses se
passaram,
logo se
eternizaram...
E dona Ana na
igreja chorava e orava,
mas nada adiantava.
Pois ela não se
consolava.
E triste apenas
pressentia,
o seu filho não
voltava.
Mas mesmo assim as
cartas ainda chegavam.
E Dona Ana as lia e
relia...
Mas o que mais queria,
ela nunca mais via:
Mãe,
não me espere tão
cedo, "tô pagando o meu preço".
Logo logo eu
cresço.
Te amo,
José Flávio.
E num piscar de
olhos dez anos se passaram ...
José Flavio
cresceu.
O garoto negro da
favela agora era empresário:
Meu Deus, que
família linda eu tenho!
"Tô babando" pelos
meus pequenos!
"Tô babando" pelos
meus pequenos!
Mas a velha
mãezinha parece que ele esqueceu:
Meu bem, precisamos
conhecer os teus pais.
Talvez um dia.
Talvez um dia...
Mas penso que
jamais.
Me expulsaram com a
desculpa de estudar.
Amor, deixe assim
como esta.
Deixe assim como
está.
Foi numa festa das
mães que um anjo tocou seu coração:
Não te feche assim
ao teu passado,
sou o anjo bom que
sempre esteve ao teu lado.
E numa sala
reservada ele chorou copiosamente:
Meu Deus,
será que a minha
mãezinha estará doente?
O sucesso não
fechava os seus elos,
e o remorso agora
habitava o castelo.
A sua luz lhe era
forte e ele não a reconheceu:
Filho, tenho te um
aviso importante.
Sou o teu amor,
nunca te fui distante.
Sei que vais viajar
além continente;
planejas chegar a
Paris.
Postergue essa
viagem!
Postergue essa
viagem!
Ali, o "anjo da
morte" a de cair.
José Flávio acordou
ofegante,
sentia uma dor no
peito:
Meu bem, o que está acontecendo ?
Toda noite é assim,
eu estou preocupada!
Não é nada, tudo
isso vai passar.
Volte a dormir, a
gente precisa descansar.
Mas o sonho marcara
a sua noite,
e ele decidiu
recolher a bagagem:
Vou adiar a viagem!
Vou adiar a viagem!
E assim postergou o
compromisso,
porém, não explicou
o motivo.
E a tragédia se
confirmou por inteiro.
Meus Deus, mais que
sonho verdadeiro!
E pela primeira vez
a religião José Flávio abraçou:
Amor, vou procurar
o pastor.
Vou procurar o
pastor!
Meu filho, vejo que
teve um livramento.
Agradeça a esse
anjo de amor.
E mais uma vez ele
chorou:
Pastor, tenho uma
"dívida de sangue" com meu passado.
Pois então pague!
Fica-te aqui você
avisado.
E o remorso passou
a lhe tirar "pedaços da alma".
José Flávio acordou
para toda verdade,
pois era a sua mãe
o que mais lhe faltava:
Sou um covarde,
neguei a minha
origem.
Mas isso se
corrige!
Mas isso se
corrige!
Na ausência de Deus
toda terra é uma "cilada".
Sem a presença do
amor a vida está acabada.
Na ausência de Deus
toda terra é uma "cilada".
Sem a presença do
amor a vida está acabada.
E num voo partiu
sozinho o grande empresário.
Deixava por uns
dias o ramo imobiliário,
e bem de manhã
"pisava um museu".
José Flávio agora
andava sobre a própria história.
Mas uma vez aquela
voz familiar lhe voltava à cabeça:
Filho querido, não
me esqueça.
Não me esqueça!
O rico empresário
voltava a ser apenas um menino.
O garoto da
lavadeira que partiu....
Que partiu o
coração de sua mãe:
Quando sai daqui
era apenas um jovem tolo.
Um menino fujão.
Um ser sem coração.
Me sinto agora sem
direção.
Sem direção!
E ali começava a sua própria "via sacra".
Era a tristeza e o
remorso;
ambas o
"chicoteavam".
José Flávio sentia
agora todas as dores da alma.
E numa árvore ele
encostou, e tudo bateu mais forte.
Não havia nenhum
"Simão" para o consolar.
E assim chorou.
Chorou por mais de
uma vez:
Meu Deus! O que fiz
da minha sorte!
Tive você,
mãezinha.
Mas lhe troquei.
Oh, meu bem
profundo!
Perdi o meu mundo!
E mergulhado no
mais profundo, apenas dizia:
Mãezinha, vi pra te
tirar da miséria.
Tudo sem você já
não é paz.
Sou a minha própria
guerra.
Tenho sonhos lindos
pra tua velhice.
Breve irás morar em
minhas terras.
E o sol era mais
que insolação,
era a sua própria
desilusão:
Por favor, preciso
de uma informação.
Procuro uma antiga lavadeira,
Dona Ana.
Meu irmão de cor,
vejo que você não é
daqui.
És um "preto
refinado".
A velhinha que
procura se foi.
Um dia o carro a
pegou no asfalto.
A pegou no asfalto?
Como pode ser!
Eu não consigo
entender?
Eu não consigo
entender?
"Parceiro de pele",
aqui tem muita gente boa.
Veja você como
todos aqui "ralam".
É bem verdade, aqui
também "sobra balas".
Dona Ana perdeu
tudo, foi a mando do tráfico.
A chamavam de
louca.
Mas ela nunca foi
louca!
Eu conheci teu
mundo simples.
Tudo se resumia as
suas trouxas de roupas.
Eu sei "irmãozinho
de cor", mas todos a viam pelas ruas...
Recitavas cartas de
um filho, um garoto desnaturado.
Foi assim que a
expulsaram.
José Flávio se
sentiu um derrotado.
O ódio era agora
seu mais forte aliado:
Anjo mau desta
terra maldita!
Você nunca esteve
ao meu lado.
Ainda me farei
vingado!
Ainda me farei
vingado!
E o anjo da morte
beijou-lhe a face por duas vezes.
Ali nascia um
coração vingativo.
E José Flávio fazia
nova promessa:
Serei novamente o
teu filho querido!
Serei novamente o
teu filho querido!
Meu irmão, mas quem
é você?
Sou apenas um
repórter.
Um mero jornalista
sem coração.
Mas por que está
chorando, meu rapaz?
Não é nada, não.
Apenas perdi meu
coração;
e com ele toda a
minha paz.
Quatro anos haviam
se passado.
Havia muita poeira
por aquelas ruas,
e todo o céu estava
nublado.
A tempestade havia
chegado.
Trazia fardas e seu
maquinário pesado:
Derrubem tudo,
nenhum barraco aqui fica de pé.
Todo esse chão será
arrasado.
Todo esse chão será
arado.
E que me importa o
sangue derramado.
Hoje serei vingado!
Hoje serei vingado!
José Flávio era a
própria tempestade.
Assim, bradava o
novo prefeito.
Maquiavélico
engenheiro!
Apoiado agora por
velhos parceiros.
O (Novo Eldorado) era
o seu projeto.
Toda favela cairia
por seu ódio cego:
Não quero mais
nenhuma tábua, queimem todas lonas.
Arranquem os
pregos, distribuam os cassetetes.
Aqui não haverá
mais tetos.
E todo o chão se
tornara carniça.
Era o seu ódio
misturado a cobiça.
Assim, sorriu todo
aquele empresariado.
Pois o lucro viria
com os condomínios fechados.
Na ausência de Deus
toda terra é uma "cilada".
Sem a presença do
amor a vida está acabada.
Na ausência de Deus
toda terra é uma "cilada".
Sem a presença do
amor a vida está acabada.
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Autor: (ChicosBandRabiscando)
A favela
Art credits:
Mais Vento. Daniela Matchael, n. Brasil. Óleo sobre tela, 76 x 100 cm.
Uso com permissão da artista ©️Daniela Matchael