O grito

  

    Ofegante, uma jovem sansei, vaga pela noite por ruas ermas de um bairro estranho. O seu extinto estava aguçado, o medo à flor da pele, a iluminação local  não ajudava nem um pouco.

    Volta e meia, passava os olhos no relógio de pulso, não dava para acreditar, pois, os ponteiros já marcavam vinte e três horas de um fatídico domingo antecedendo a um feriado.

   _Droga! Por que não ligue para o papai quando ainda estava na casa da Joana como faço na maioria das vezes?  Já estou caminhando a uma hora _ Se questionava um tanto preocupada.

_ Maldita ideia de curtir um pouco o frescor da noite_ Ironizava a si mesma. Passei da esquina onde papai me pega quando decido caminhar. Eu sou mesmo uma voada!

     Lágrimas desciam do seu rosto como um amargo arrependimento pelo vacilo. Tentava se distrair pensando em coisas boas do passado, porém, a péssima iluminação  das ruas não deixavam que ela relaxasse.

_Será que a  Joana ouviu meu celular tocar quando papai ligou? Claro que ouviu, lembro que o esqueci no sofá da sala. 

_O papai deve estar rodado estas ruas como um desesperado. Imagino a reação dele ao voltar novamente na casa da Joana e ver que  sumi. 

_Não entendo como passei do ponto de frente à sorveteria, mesmo ela fechada pelo horário, não justifica a minha distração.

    Carla tinha uma mente extremamente associativa, logo pensou nos romances de Sherlock Holmes que tanto lera. Isto não a ajudou nem um pouco. Guardada as diferenças, havia grandes semelhanças com o ambiente em que pisava agora.

    Ficou confusa entre voltar ou seguir em frente. Na verdade, já estava perdida, não conhecia nada por aquele setor que caminhava. As casas já todas fechadas, nenhuma alma viva pelas ruas para ajudá-la.

    Lembrou ter uma avenida que passava um pouco acima, um local bem iluminado e com um grande fluxo de carros, mesmo tarde da noite. Perdida e com medo, decidiu não mais voltar dando sequência ao seu plano.

_Por mais que eu ande, não vejo ninguém por estas ruas, só este breu. Só pode se por causa do  feriado de amanhã. Acho estranho um dia consagrado aos mortos. 

_Começo a desejar não encontrar ninguém por estas ruas_ Sei lá, quem poderia vagar por aí a esta hora da noite?  Deus me livre!" Não quero nem pensar nessa hipótese. Bem que poderia passar uma ronda policial agora. Isto sim!

     Realmente muitas famílias já haviam pegado a estrada no feriado emendado com o fim de semana. Além do mais, Carla estava certa, que  boa alma estaria na rua aquela hora? O seu relógio de pulso agora marcava meia-noite.

     Geralmente quando alguém se perde numa cidade grande, procura um ponto de identificação como um norte para se orientar. Contudo,  Carla não conhecia nada dali, não tinha uma referência para  chegar a avenida. Quem dera o seu "fio de Ariadne", o  celular. Sem mais nenhuma certeza apena seguia...

_Engraçado,eu poderia jurar que passei por aqui. Não pode ser, talvez seja porque as quadras sejam muito parecidas. _Agora percebo que  "na noite todos os gatos são pardos"!_Assim pensou.

    Ela  estava se sentido como um animal acuado, lembrou das citações em latim que sua professora de Direito Civil gostava de esbanjar. Logo lhe veio uma à mente:

"Alea jacta este(A sorte está lançada).

_Quer saber,é isso: "quem está no inferno que abrace o capeta". Pegou uma moeda de um Real de sua bolsa e jogou para cima:

    Caso a moeda desse cara, seguiria, mesmo não conhecendo nada por ali. Se a  sorte lhe conferisse,  coroa, se arriscaria a bater como louca na primeira residência que encontrasse dali para frente. Deu coroa.

_ Alguém perderá o sono para me ajudar; ah, vai sim! Foda-se!

_O que foi isso? Parece o som de trotes. Apavorada, girou a cabeça olhando para todos os lados.

    Latas pareciam estar caindo, porém o escuro impedia de ver a calçada ao lado do muro direito. Os estranhos barulhos foram aumentando.

_O que é isso, meu Deus! Esta vindo na minha direção. O que vou fazer?

     A adrenalina descarregou na sua corrente sanguínea a deixando em total alerta. Ela fintava a calçada escura monitorando os pontos de luz que se moviam. Ensaiou um grito, mas se conteve. Começou a andar de costas de forma cuidadosa.

    Outros pontos foram aparecendo aumentando os trotes. Mais que rapidamente, passaram por ela de forma tão veloz a ponto de derrubá-la.

_Bichos do inferno, cambada, querem me matar de susto! Carla sorria e chorava ao  mesmo tempo sentido-se aliviada._ Eram gatos da rua.

_Como fui me enfiar nessa? O meu pai deve estar desesperado já pensando no pior. 

    A rua que ela estava agora era um quarteirão com uma grande extensão de muro de um lado. Do outro, não havia  residências, apenas lotes vagos, sendo que alguns com o mato já bem alto por falta de roçagem.  O cenário a  aterrorizou de vez.

_E agora, o que eu faço? Que rua estranha, não tem uma casa se quer!  _ Desconsolada, pensava.

_ E se passar um motociclista, ou um andarilho, vou cair durinha nesse chão!  Nem conseguirei  correr de tanto medo do pior. Que encrenca que me meti, que Droga!

    Logo veio uma vontade de vomitar que ela não conseguiu segurar. Percebeu que a sua calça jeans também estava molhada.

_Preciso me controlar, isso não vai me ajudar em nada. E se eu desmaiar aqui, vou ficar a Deus-dará, sujeita a tudo.

_Controle-se, Carla, você  sairá daqui, vai sim! _ Se cobrava temendo surtar de tanto medo.

    Caminhou mais alguns metros e nada de residências, era o mesmo cenário, muros do lado direito e lotes vagos no esquerdo.

    Caros leitores(as) devem se perguntar sobre as horas; sim, lhes respondo, Carla conferiu as horas no seu relógio de pulso. Acreditem, eram duas e meia da madrugada de uma segunda-feira de finados.

    Do nada, desceu uma névoa cobrindo a rua, depois, o rosnar de cães. A mocinha  ficou petrificada. Ouvia a sua própria respiração, estava ofegante, o seu coração  disparado. Começou a andar para trás novamente com o máximo cuidado. O escuro e a névoa a impedia de ver as feras que rosnavam num dos lotes próximo a ela.

_Não vou gritar_pensava ela_ Se fizer isso posso ser atacada, não tenho nada para me defender. Vou continuar me afastando com cuidado...

    O seu raciocínio estava um tanto confuso, ao mesmo tempo, aguçado. Esfregou o olho direito, pôs as mãos frias sobre o peito, jurava agora que via vultos. Não encontrava uma explicação racional a não ser o medo criado pelo ambiente inóspito. 

    Começou a ouvir vozes, não mais os tais rosnados, estes haviam parado. As vozes se pareciam com choros. Seriam mais gatos? Crianças?Confusa, não conseguiu identificá-los.

_Calma, Carla, seja racional_pensava ela_ isso são apenas delírios causados pelo estado nervoso em que estou.

_Ninguém mais virá a minha procura, tomara  que amanheça o quanto antes. Parece que estou dentro de um labirinto, pois, por mais que eu ande, pareço voltar sempre ao  mesmo ponto desta maldita rua!

    Sentiu que a sua calca estava novamente molhada, tentou ser mais rápida. Porém, já não estava mais com a mesma energia. Perdera as forças das pernas, descobriu isso de um forma dolorida, Carla caiu.

   O seu joelho sangrava, a calça rasgada no local expunha a ferida. Carla se pôs a chorar compulsivamente. Se levantou, limpou as lágrimas com um lenço de papel da sua bolsa, respirou e continuou em frente.

    Ou ela estava num surto de medo que a levara a um estado de delírio, ou estava correta, pois o trajeto realmente parecia desembocar no mesmo ponto. O extenso muro de um lado e os lotes vagos do outro.

    Será que o estranho setor seguia uma padronização?  Não sei, apenas escrevo a narrativa a vocês, caros leitores(as). O que acham?

_Que Deus me ajude porque devo estar é ficando louca mesmo! Não tem como  explicar isso. Já não  tenho mais forças para seguir._ Ela se sentia  esgotada.

    Diante de todo cenário perturbador, um novo episódio ocorria, uma coruja começou a cantar num poste de luz que piscava próximo. Carla  mirou o pássaro com um olhar desolador.

    Se lembrou das crendices que tanto ouvia de sua avó sobre corujas que cantavam a noite como  sinal de algum agouro. Isso fez que um calafrio percorresse a sua espinha.

    Talvez a sua avó estivesse com razão, Carla se ajoelhou no meio da rua congelada de frio e medo. Não acreditou no que via agora. Era um espectro se confundido em meio ao  escuro e a névoa que baixara de vez. Seus olhos  tentaram em vão definir aquela forma bizarra que vinha na sua direção.

     Ela tremia descontroladamente, pensou em se esconder, mas já não dava tempo. Depois, esconder onde, no mato de um dos lotes vagos onde ouvira o rosnar de feras? 

    Vejam bem,leitores(as), geralmente nos filmes de terror as vítimas buscam o pior lugar para isso. Não  posso ajudá-la, apenas narro os fatos deste conto. Lamento profundamente!

    _Agora o vejo perfeitamente, é um homem. _pensava ela_Mas por que estaria pelas ruas sozinho as três da manhã? Por que arrasta aquele saco preto?

_ Não sei, mas estou pressentindo algo muito ruim! Pressinto que a minha vida pode estar por um fio  agora. Me perdoe, papai!

    Confusa, Carla baixou a cabeça por alguns segundos para pensar. Era encarar a sorte pedindo ajuda aquele estranho, ou confiar  no seu extinto de sobrevivência aguçado. Este a pedia apenas para sair dali o quanto antes .  

    Ao levantar a cabeça para o fintar novamente, se espantou, o estranho homem sumira da rua. Isso a deixo mais confusa, a sua mente girava...

    Nem deu tempo para que ela organizasse o  raciocínio, olho de novo, ele estava mais próximo. Como? Podia identificá-lo agora, era um homem maduro, trajava uma capa de chuva cinza, na cabeça, um estranho chapéu de caçador rajado  em branco e verde. Na mão direita, aquele saco preto que parecia pesado, mas ele o arrastava com tamanha facilidade.

_Ei, por que você esta rindo assim de mim, não estou gostando nada disso. Você esta me assustando. Pare com isso, seu velho louco? 

     Carla de tanto medo parecia anestesiada. O medo em excesso traz a coragem em forma de delírio. Assim, ela continuou a gritar com o homem de chapéu que não parava de rir se aproximando cada vez mais dela.

_Ei, velho tarado, saiba que eu tenho uma arma aqui nessa bolsa. Posso estourar os seus miolos brincando se não parar e bater em retirada _ Na verdade ela não tinha.

 _O que! Ele sumiu de novo, para onde foi. Será que pirei de vez? Não, não vou ficar aqui para conferir. Não vou mesmo!

    Juntando forças, Carla respirou profundamente, se virou e começou a correr fazendo o trajeto de volta.

    Logo parou, não acreditava no que estava vendo, ele estava a poucos metros a sua frente, agora do outro lado. Como ele poderia ter passado por ela e não o percebesse? Não poderia ser  humano com tamanha agilidade.

    Anestesiada, tentou gritar, mais uma vez não conseguiu. Será que tudo não passava de um grande pesadelo? Lembrou  sofrer da paralisia do sono, quando isso acontecia era em vão tentar sair do quadro. A única forma era dominar os pensamentos induzido a um despertar consciente.

    Carla fechou os olhos e pensou:_ Bom, se estou dormindo vou me induzir a acordar. Dará certo, tem de dar!

_Acorde, Carla, acorde, Carla; por favor, acorde!

    Sentiu uma mão pesada tocando em seu ombro esquerdo, depois, uma voz que se dirigia a ela rindo de forma sádica do seu medo:

_Olá, Carla, abra os seus olhos, você não esta dormindo, eu vim te buscar!

    Reza uma lenda urbana das noites goianienses, que no bairro das Almas Perdidas, local  onde fica o antigo  Cemitério dos Ossos dos Esquecidos, durante as madrugadas, pode se ouvir  gritos de uma garota a ecoar por toda rua.

    Bom, se tudo isso é verdade não sei, mas há quem diga que a rua do  cemitério seja realmente  assombrada. Muitos juram até que já viram o vulto de um estranho homem a vagar por aquela rua  durante as madrugadas. Eu é  que não irei conferir, caro leitor(a).

   Se em alguma noite venho a não ter bons sonhos, logo me belisco. Porque naquela rua eu não me arrisco. Tenham todos bons sonos.

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 Autor: ChicosBandRabiscando 

 

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